Este é daqueles relógios que admiro literalmente desde que me lembro e desde que comecei a gostar destas máquinas. Entretanto os gostos vão mudando, vamos experimentando novas coisas, descobrindo outros, mas este ficou sempre. Para não variar é uma daquelas peças que passa despercebida a muita gente, outros nem sequer o conhecem mas que de facto tem também uma historia fascinante ligada à exploração espacial, em particular ao processo de seleção que acabou por eleger o Omega Speedmaster como o relógio oficial do programa espacial Americano. Hoje vou falar sobre o Wittnauer 242T.

Os testes em torno do processo de seleção da NASA para um relógio de pulso que acompanharia os seus astronautas ao espaço passaram para a tradição relojoeira e são recordados como um marco importantíssimo.
A história mais comum, se bem que não é a exata e já lá vamos a essa também:
A Rolex enviou o 6238 "pré-Daytona", a Breitling submeteu o Navitimer ref. 809, a Omega apresentou o Speedmaster, originalmente projectado para corridas de automóveis e a Wittnauer, originalmente o importador com sede nos Estados Unidos para marcas suíças de prestígio como Longines e Jaeger-LeCoultre, apresentou um cronógrafo com sua própria marca.
A Longines comprou a Wittnauer em 1950, mas manteve a marca separada até 1995, quando o Swatch Group assumiu a distribuição de Longines. Em 2001 foi comprada pela Bulova.
Apenas qual cronógrafo Wittnauer foi enviado para os testes foi uma questão de debate durante muito tempo, mas muitos na comunidade relojoeira acreditavam que teria sido o 242T. Até 2019 não havia prova oficial ou definitiva da NASA ou Longines de que o 242T seria o tal até porque o 235T seria outro candidato possível.

No entanto existem anúncios da época, seguindo os Procedimentos de Teste de Qualificação da NASA que reivindicam o 242T como a entrada da Wittnauer.
Tudo isto e mais alguns factos que irei abordar a seguir fizeram com que esta incerteza tornasse o 242T ainda mais misterioso, e todos sabemos que os mistérios aguçam o apetite!
O procedimento de testes da NASA para escolher o seu cronógrafo oficial foi árduo e teve como objetivo submeter os relógios a condições semelhantes às que eles experimentariam no espaço enquanto estivessem nos pulsos dos astronautas. Os relógios foram descomprimidos por 90 minutos e depois expostos a rápidas e extremas flutuações de temperatura, de 0 a 160 graus Fahrenheit. Foram deixados a funcionar por várias horas e foram submetidos a vibrações extremas por 30 minutos e choques medindo 40 Gs. Todos os relógios deveriam ser cronógrafos de pulso, resistentes à água até 50 metros e legíveis em condições de alta e baixa luminosidade.
Embora semelhante a várias outras entradas nos testes da NASA por ser um cronógrafo de registro triplo, e como o Rolex 6238, alimentado pelo venerável Valjoux 72, o Wittnauer 242T é único em vários aspectos, a maioria tendo a ver com o fato de que o seu mostrador é algo de único e fantástico.

Basta olhar ele, para que serve aquela escala decimal? O tempo decimal é um recurso usado na aviação que divide o dia em 10 horas decimais, cada uma das quais consiste em 100 minutos decimais, subdivididos em 100 segundos decimais cada.
Esse recurso raramente é visto mesmo em cronógrafos antigos, alguns Meylan ou Gallet com essa escala às vezes aparecem e, possivelmente foi mais um fator que solidificou ainda mais a especulação de o 242T ter sido enviado para testes da NASA.
Voltando ao mostrador no Wittnauer 242T, deve ter sido uma verdadeira dor de cabeça para produzir. Além da já referida escala decimal pela parte exterior do mostrador, temos outra mais interior com os "normais" 60 minutos, além dos sub mostradores com as diferentes escalas, tal como no Speedmaster também são ligeiramente "rebaixados" e com o rebordo em negro brilhante em contraste com o restante mostrador em preto mate.
Para "ajudar" à complexidade, ou confusão, do mostrador temos ainda as pequenas bolas de tritium na escala exterior que não seguem a divisão decimal mas sim a normal divisão de 60 minutos. Esses pontos de trítium são bastante altos e destacam-se no mostrador na forma de uma esfera. Para adensar ainda mais ao mistério moonwatch contava ainda com a inscrição "Professional Chronograph"...
Mais semelhanças com o Speedmaster era difícil...
Os sub mostradores rodeados em preto brilhante são um toque muito subtil mas que aumentam o caracter desportivo desta peça e que demonstram que a Wittnauer não poupou em nada quando produziu o 242T. Os grandes pontos luminosos no mostrador são complementados com ponteiros apresentando eles também uma extensa cobertura de trítium. O ponteiro dos segundos tradicionalmente chamado de "lollipop" segue a linha de design com uma grande bola de tritium na ponta acentuando todo um mostrador repleto de formas e escalas onde imperam os círculos.
Sim, o 242T é complicado mas é maravilhosamente bem executado e muito diferente da maioria dos cronógrafos da mesma época. Quando se trata das especificações do Wittnauer 242T temos uma receita para o clássico cronógrafo vintage com uma caixa em aço inoxidável com um diâmetro de 38 mm. O estilo das asas é típico da Wittnauer, mas também de outros relógios da época, como o Heuer Autavia e vários Breitling, como o Co-Pilot e Navitimer. As asas são espaçadas em convenientes 20 mm, o que é um pouco diferente da maioria dos relógios da época com 19 mm, mas torna mais fácil encontrar a bracelete ideal.
Outros aspectos exteriores são uma luneta de aço polido que se encontra com um vidro de acrílico abaulado, poussoirs redondos e coroa assinada.
Dentro do Wittnauer 242T está o icônico Valjoux 72, também ele assinado e com a referência AXA que era o código de importação para a Wittnauer para os movimentos vendidos nos USA. O Valjoux 72 é encontrado em quase todos os grandes cronógrafos da altura, desde o Heuer Carrera ao Rolex Daytona.
Todas estas características únicas, aliadas à aura de mistério que sempre circundaram este relógio durante décadas, fizeram com que se tornasse um dos cronógrafos preferidos dos colecionadores que sabiam e percebiam que o 242T não era como todos os outros. A verdade é que não atinge os valores de um Speedmaster pré moon e muito menos de um Rolex 6238 mas a sua originalidade, qualidade de construção e acima de tudo raridade fazem com que seja uma peça muitíssimo especial, e na minha opinião pessoal, um relógio que se adquire abaixo do preço que deveria valer. Talvez o futuro corrija isso.
Voltando à questão dos testes da Nasa, apenas em 2019 se pôde pôr um ponto final na duvida de quais relógios foram de facto colocados a teste para irem ao espaço.
Essas duvidas foram dissipadas de forma algo inesperada na apresentação do novo calibre 321 da Omega no ano passado.
Petros Protopapas, o Brand Heritage Manager da Omega, realizou uma apresentação de 90 minutos para a imprensa especializada e lançou uma nova luz sobre uma série de tópicos relacionados com o Speedmaster e o programa espacial.
Além disso revelou documentos oficiais da Nasa relativamente aos testes e que estão na posse da Omega. A verdade sobre os testes é esta:
A Nasa enviou pedidos de participação nos testes às seguintes marcas: Elgin, Benrus, Hamilton, Mido, Lucien Piccard, Omega, Bulova, Rolex, Longines-Wittnauer e Gruen. Apenas quatro das dez marcas responderam à chamada. Omega, Longines-Wittnauer, Rolex e Hamilton. No entanto, a Hamilton apresentou um relógio de bolso e portanto foi desqualificada por não cumprir as especificações da NASA. Os outros relógios, um Rolex 6238 “pré-Daytona”, um Omega Speedmaster e um Wittnauer....235T!

Afinal o 242T foi o moonwatch que nunca foi...No entanto a sua aura de mistério permanece. Um primo afastado do Speedmaster? Um Carrera decimal? Um Navitimer desportivo? Seja o que for para mim permanece um dos cronógrafos mais especiais de sempre e algo muito único, exclusivo, original, diferente. Talvez depois de uma qualquer Speedy Tuesday vou ser o único a festejar uma Wittnauer Wednesday....

André Sampaio
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