Sabemos que, muitas vezes, pode ser difícil dar credibilidade a muitas das micro-marcas com que somos bombardeados nos dias de hoje.
Para comparação, num curto espaço de tempo passámos de dezenas de marcas micro-marcas para a criação constante das mesmas.
Algo que, como tudo, tem os seus prós e contras.
Tanto em questões comerciais como em questões que influenciam o consumidor de relojoaria.
O excesso de oferta acaba sempre por levar a melhor a integridade de um segmento de mercado.
Dito isto, sempre houve uma pergunta que me causou horas de ponderação sobre o atual estado deste segmento da relojoaria que são as micro-marcas…
Haverá alguma maneira, de voltarmos a conquistar a nossa audiência? Para que de algo maneira se volta a ter confiança numa marca que ao fim ao cabo não possui uma “tradição” que apenas os anos vividos criam.
Acabo de chegar dos Países Baixos com um sorriso na cara devido pois à solução que encontrei.
Pois bem, este fim-de-semana decidi, a convite de um amigo, visitar um atelier de que porventura já tinha conhecimento, o Atelier HOLTHINRICHS.
Sempre ouvi, com curiosidade, os meus amigos holandeses a discutirem a evolução desta marca e como acabam por ser agradados pelos seus modelos.
A HOLTHINRICHS Watches foi criada por um simpático e humilde arquiteto chamado Michiel Holtinrichs, formado e situado em Delft, onde também tem o seu atelier.
Michiel explicou-me que desde cedo mostrou interesse por relojoaria e tudo o que envolvia a possibilidade da inovação na forma e funcionamento.
Tirou o curso em Delft com a ambição de se mudar para Utrecht, mas acabou por sucumbir à beleza da sua própria cidade, quase que na ambição de defender a cidade e de mostrar orgulho da mesma.
Situado numa rua por onde a maior parte das pessoas passa ao se dirigirem ao centro da cidade de Delft, o Atelier HOLTHINRICHS fica, sem querer exagerar, na mais bonita loja da rua Lange Geer.
Conta com uma fachada simples, de vitrine ampla, que permite à pessoa que passa e ao interessado um vislumbre do quotidiano do próprio dono, um interior convidativo, que mistura as suas mesas de trabalho e máquinas com a sua secretária e móvel repleto de relógios da sua coleção privada, que acabam por envolver o visitante neste ambiente puro e viciante.
Curiosamente, é difícil decidir sobre qual o melhor sítio para ver os seus relógios, se no exterior ou no interior, pois o exterior conta com o típico canal repleto de flora e simpáticas pessoas a passar.
(Acabo de escrever este parágrafo com a sensação de que viajei, agora mesmo, atrás no tempo, e quase que consigo ver as cores vívidas e atmosfera amigável que por lá vivi)
A fachada do atelier em si ilustra uma decoração que nos remete aos tempos da art deco, e é na verdade uns dos únicos a possuir partes decorativas deste mesmo estilo artístico.
É também o único edifício em Delft que possui a assinatura dos arquitectos num dos pilares exteriores do atelier.
Faz todo o sentido, sendo o Michiel um arquiteto! É com estes detalhes que a pouco e pouco nos vamos apaixonando pela marca.
Mas para mim há ainda algo melhor do que os fatores ditos acima!
Haverá algo melhor do que ouvir alguém apaixonado e totalmente motivado pela relojoaria? Eu sou da opinião que não!
Depois já de alguns minutos numa conversa informal com o Michiel, este decidiu apresentar-me todo o conceito, idealização e produção.
Passando pela seleção dos produtores das caixas, que são impressas em 3D na Bélgica, em aço 316L e que são posteriormente polidas e finalizadas pelo próprio Michiel, em Delft.
O coração saltante destes modelos é o ETA 7001 ‘version elaboré’ que funciona a 21600 Hz e que conta com uma reserva de marcha de 42 horas, que Michiel melhora ainda com a excelente técnica decorativa que é o anglage.
Já no fim vejo o Michel a dirigir-se ao móvel onde estão presentes alguns modelos da sua coleção privada, já ansiava eu por esta parte também!
Acaba por me mostrar dois modelos dos quais retirou grande parte da inspiração na criação do design dos modelos da HOLTHINRICHS.
Mal os vi tive de exprimir o que sentia:
“A sensação e emoção que estes dois modelos me transmitem é estranhamente parecida ao que os teus relógios me transmitem também. Não sei bem explicar o quê, mas sinto!”
(Ambos acenamos com a cabeça em forma de acordo)
Era óbvio que a experiência estava a ser incrível.
À medida que finalizamos a experiência no Atelier, vejo com muita surpresa minha dois grandes amigos a entrar pela loja dentro, ambos Holandeses, com um sorriso “matreiro” na cara.
Acabei pois por descobrir que tinham combinado tudo em segredo para me fazerem uma surpresa!
Depois deste momento de distração perguntei ao Michiel qual a presença que tem diante dos entusiastas e colecionadores, pois queria saber como se destaca das restantes micro-marcas além de possuir um fator inovador na produção dos relógios.
Michiel responde-me:
“Nada, não tenho muito tempo para dedicar ao mundo digital. Mas sou social!”
Fiquei a pensar então como é que se relaciona e cria o impacto da marca.
Tive de lhe perguntar como é que a marca é a marca que é hoje
Com um ar calmo respondeu-me:
“Nunca me preocupei muito com o que os outros pensam de mim ou da minha marca, faço o que gosto e faço-o com paixão, na vida real”
“O meu atelier é a minha segunda casa, um sítio onde recebo todos os interessados como alguém recebe um amigo ou familiar na sua própria casa.”
Foi depois destas respostas que me apercebi da pergunta que faço no início deste artigo.
Foi a não querer saber dos outros que a marca é o que é.
Ao fazer o que gosta, Michiel acabou por criar uma personalidade única na sua marca, sem ter que desenhar algo para alguém ou para um público.
A não criação de um target/audiência alvo só levou à criação de algo totalmente focado na relojoaria e no desenvolver de um gosto pessoal dentro da mesma.
Esta negação ao mundo digital cria uma personalidade divergente e que acaba por criar uma ligação mais pessoal com o indivíduo interessado, uma ligação de amizade no mundo físico, nada ligado aos followers e likes.
Existe algo único na total dedicação no mundo físico, no ser humano, na presença física e na ligação entre todos estes pontos.
Dito isto tenho apenas um desafio a lançar-vos
Da próxima vez que forem viajar procurem as marcas de relógios nacionais e combinem um café ou encontrem-se no próprio atelier! Não se vão arrepender!
(Se se arrependerem, que acho que é quase impossível, digam-me, que o café é por minha conta!)
Melhores cumprimentos a todos,
Diogo
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